25 de novembro de 2014

O baço, o centro da dietética e nutrição.




Para que o tema proposto possa ser útil para os leitores, um  conhecimento sólido sobre o baço e suas funções é primordial, claro está, sem esquecermos dos outros órgãos. Sem um conhecimento profundo do baço, dificilmente conseguiremos entender o processo ou processos que envolvem a digestão, de forma eficaz e correcta, as características da nutrição e dietética, na perspectiva oriental.
Tal como nos diz Sónia Hirsch[1]o bom mestre diria ao herói que a tradição medicinal do oriente manda tratar os distúrbios primeiro com alimentação; se não adiantar, com ervas; e só em último caso com agulhas e massagens”. Mudar de hábitos é o passo fundamental para nos curarmos. E mudar, para muitas pessoas é o mais difícil. Acrescentando que preferem tratamentos mais violentos, que resolve a dor mas não elimina as causas.
É fundamental o terapeuta conseguir que o seu paciente mude de hábitos, quer eles sejam alimentares ou não. Só depois destas mudanças é que os efeitos da medicina tradicional chinesa terão o efeito tão desejado e tão eficaz.
Para que as mudanças sejam eficazes e o paciente as compreenda, é necessário o terapeuta ter o conhecimento profundo das funções do baço e tudo o que lhe está associado. A partir de agora centrar-nos-emos nesse conhecimento e procuraremos, de forma clara e objectiva, adquirir os conhecimentos sólidos que nos permitam atingir este patamar de conhecimento, fundamental na nossa prática diária, quer em clínica quer a nível pessoal.
O Baço, segundo Ross[2], “ depois do Qi dos rins (Shen) que é a base das energias pré-natal do corpo, o Qi do Baço/Pâncreas (Pi) é considerado a base da vida pós-natal”. Logo, aqui, vemos a importância primordial do baço: é ele o responsável por retirar a energia vital dos alimentos que nos permite viver. Qualquer desarmonia no baço prejudicará este processo e, consequentemente, prejudicará a nossa vida.
Como diz Maciocia[3] «a principal função do Baço (Pi) consiste em auxiliara digestão do Estômago (Wei) por meio do transporte e da transformação das essências (Jing) alimentares, absorvendo a nutrição dos alimentos e separando as partes puras das impuras. O baço (Pi) é o sistema central na produção de Qi: a partir dos alimentos i líquidos ingeridos, extrai o Qi dos alimentos (Gu QI), que é a base para a formação do Qi e do sangue (Xue)».
Por isso, numa primeira parte procuraremos definir e compreender todas as funções do baço e suas implicações na harmonia do nosso corpo.
  
Funções do baço
Como vimos atrás, o baço é responsável pela transformação do Qi dos alimentos em Qi pós-natal que é essencial ao processo da vida humana.
O baço/Pâncreas tem como funções:

a) Regular a transformação e o transporte;
Como nos diz Ross[4] “ os alimentos e as bebidas, sob influência do Qi do baço/Pâncreas, são digeridos e separados em fracções puras e impuras… as impuras passam do intestino delgado para o Intestino grosso, onde se faz a absorção e depois á bexiga para a excreção. A fracção pura é enviada… aos pulmões onde é transformada em Qi, sangue e Jin Ye (Líquidos Orgânicos) ”.
Logo, se a função do baço está em desarmonia, não haverá suficiente energia e sangue e poderá levar a deficiência de Qi e de sangue e, possivelmente, estagnação de líquido orgânico sob a forma de Humidade e Mucosidades. Afectará, também a digestão, uma vez que o baço é o principal órgão (Zang) da digestão, trazendo alterações desarmoniosas alimentares.

b) Regula a parte carnosa dos músculos e os membros
Se tivermos um Qi de baço forte, harmonioso, então as funções de transporte, movimento e de transformação estarão a fazer o seu trabalho, isto é, haverá uma boa provisão de Qi e de Xue.
O Baço extrai o Qi dos alimentos para nutrir todos os tecidos do organismo. Este “QI Refinado”, como nos diz Maciocia[5], é direccionado para os músculos, particularmente os referentes aos membros. Caso o Qi esteja em deficiência, não chegará aos músculos, logo teremos pessoas cansadas, com músculos fracos e, em casos mais graves, poderá dar-se um atrofiamento dos mesmos.  O estado do baço é um dos factores mais importantes para determinar a energia física da pessoa.
“O Simple Questions no capítulo 44 diz: o baço (Pi) governa os músculos… se o baço apresentar Calor, haverá sede e os músculos estarão debilitados e atrofiados. No capítulo 29 diz: os quatro membros dependem do estômago (Wei) para o Qi, mas o Qi do Estômago somente poderá alcançar os meridianos por meio da transmissão do baço. Se estiver afectado, não poderá transportar os fluidos Corpóreos (Jin Ye) do estômago e os quatro membros não poderão receber o Qi dos alimentos.”[6]

c) Governa o sangue (Xue)
Tal como um verdadeiro governo, que tenta manter a ordem pública, o baço é responsável por manter o sangue dentro dos vasos, isto é, manter o sangue unido.
Logo, se o Qi do baço é saudável, o Xue circulará por todo o nosso corpo e manter-se-á nos vasos sanguíneos, caso contrário, com o Qi do baço deficiente, o sangue poderá sair dos vasos e provocar hemorragias.
Mas o papel do baço não fica por aqui. È fundamental para a elaboração do sangue, também. O Baço extrai o Qi dos alimentos e forma o sangue no Coração (Xin) com o auxílio do Qi Original do Rim (Shen). Assim, tal como Maciocia[7], podemos afirmar que o Baço é o sistema central e essencial para a produção, tanto do Qi como do sangue. Por isso, nos nossos tratamentos, sempre que desejarmos tonificar o sangue, deveremos tonificar o baço.

d) Mantém os órgãos fixos / Controla a ascendência do Qi
Tal como nos diz Maciocia[8]o Baço produz um efeito de elevação ao longo da linha média do corpo”, isto é, a força que faz os sistemas internos permanecerem no seu local correcto.
Se o Qi do baço estiver deficiente, a sua função de elevar o Qi estará, também, deficiente e poderá provocar o prolapso dos órgãos, tais como o útero, rim, bexiga, estômago ou o ânus.
O baço retira o Qi refinado dos alimentos, ou melhor, do Qi dos alimentos, e faz com que ascenda até aos pulmões e coração.
Tal como já falamos o Qi do baço ascende e o Qi do estômago descende, num movimento coordenado, especialmente importante, no processo digestivo: o Qi puro sobe e o Qi impuro desce e é excretado.
É na harmonia deste processo ascendente e descendente que o suave fluxo de Qi se deve fazer no nosso organismo. Só assim o Yang puro ascende para os órgãos dos sentidos superiores e o Yin impuro desce para os dois orifícios inferiores.
Caso esta harmonia seja desfeita, instala-se um processo desarmonioso e a doença acaba por se instalar.

e) Abre-se na boca e manifesta-se nos lábios
É com o mastigar que são preparados os alimentos para que o baço retire o Qi destes, o transforme e o transporte. Logo, a relação da boca com o baço.
Diz o Spritual Axis[9], no capítulo 17: O Qi do baço conecta-se com a boca; se o baço for saudável, a boca pode sentir o sabor dos cinco grãos”.
Um Qi normal dará um paladar bom e os lábios ficarão rosa e humedecidos.

f) Abriga o Pensamento
Para a MTC, o baço é a residência do pensamento, isto é, o baço influencia a nossa capacidade de pensar, estudar, concentrar, determinar e memorizar. Tal como diz o nosso povo: a barriga vazia não nos deixa pensar.
Para que as nossas capacidades intelectuais estejam harmoniosas necessitamos de um Qi de baço forte. O Baço, o Rim e o coração influenciam o pensamento e a memória, mas de maneiras diferentes. O baço influencia a nossa capacidade para o pensamento para o estudo, concentração e memorização para o trabalho escolar; o coração abriga a mente e facilita-nos o pensamento claro para resolvermos os problemas da vida; o rim nutre o cérebro e influencia a memória recente.

É importante para o nosso estudo, também, sabermos que o baço odeia humidade, pois esta obstrui facilmente o baço: na desarmonia de transporte e transformação poderá ocorrer distensão abdominal, alterações urinárias ou secreções vaginais.
O Baço é a origem do nascimento e do desenvolvimento, pois desempenha um papel fundamental em nutrir o organismo e promove o desenvolvimento.


[1] HIRSCH, Sónia, Manual do herói ou a filosofia chinesa na cozinha, 2ª edição, Brasil
[2] ROSS, Jeremy, Zang Fu, sistemas de órgãos e Vísceras da medicina Tradicional Chinesa, 2ª edição, Roca, 1985,S.Paulo.
[3] MACIOCIA, Giovanni, Os fundamentos da medicina Chinesa, Editora Roca, S. Paulo, 1996
[4] ROSS, Jeremy, Zang Fu, sistemas de órgãos e Vísceras da medicina Tradicional Chinesa, 2ª edição, Roca, 1985,S.Paulo.
[5] MACIOCIA, Giovanni, Os fundamentos da medicina Chinesa, Editora Roca, S. Paulo, 1996
[6] Idem
[7] Idem
[8] Idem
[9] Idem

24 de novembro de 2014

Métodos culinários





Sempre defendi que os métodos culinários  não influenciavam a natureza dos alimentos na sua essência, isto é, um alimento de natureza fria nunca perderia a sua essência fria. Continuo a pensar que sim, no entanto, nas últimas pesquisas, encontrei razões que me levam a alterar um pouco esta minha convicção. 
O método culinário poderá não mudar a essência da natureza de um alimento, mas muda algo: um método culinário que aqueça vai tornar este alimento menos frio, podendo até neutralizar quase na totalidade a natureza do alimento. Nesta nova abordagem sobre a influência do método culinário na natureza do alimento, percebi que o método culinário terá de influenciar a natureza do alimento, porque a energia produzida pelo método culinário irá influência a energia do alimento, logo a sua  natureza. E tem vantagens: determinados alimentos, que pela sua natureza não eram aconselháveis para determinada desarmonia, poderão, com o método culinário correto, ser opção para o tratamento através da alimentação. A incompatibilidade entre natureza de alimento e desarmonia criava muitas limitações e o fato de defender que o método culinário não influenciava trazia alguns obstáculos em clínica para a prescrição de um plano alimentar mais variado e mais eficaz. Mudei, felizmente....
Defendo, agora, que o método culinário pode influenciar a natureza de um alimento, contudo sem nunca eliminar a sua essência. Agora sempre que um determinado alimento tem uma natureza contrária à necessária para tratar a desarmonia diagnosticada, procuro um método culinário que possa reduzir ou até neutralizar o efeito da natureza do alimento, uma vez que ele tem outras características que ajudam no tratamento. E com o método culinário eu poderei neutralizar, controlar ou dominar o efeito adverso da natureza do alimento no tratamento que pretendo realizar.
Defendo, então, agora, que o método culinário pode neutralizar ou melhor, controlar ou dominar o efeito adverso da natureza de um alimento, mas que tem outras especificidades que são úteis para determinadas patologias.
Brevemente irei publicar uma lista de alimentos que poderão ser utilizados dentro desta nova abordagem.
E não se esqueçam: Faz do teu alimento, o teu medicamento...

10 de novembro de 2014

A alimentação e as estações do ano em MTC



Com o desenvolvimento da humanidade e da sua capacidade de produzir os alimentos independentemente da sua estação característica, o homem deixou de se alimentar segunda a regra que determinava as suas refeições aquilo que as colheitas forneciam. Isto é, era a colheita, logo os alimentos de determinada estação, aqueles que faziam parte fundamental da sua ementa diária.
Poderemos afirmar que a nossa era tem muitas mais possibilidades de escolha, no que se refere à alimentação, advindo muitos benefícios, mas também podemos dizer que esta oferta tão abrangente, baralhou o ser humano e levou-o a cometer erros alimentares, dos quais, agora começa a pagar a factura.
Para melhor compreendermos esta relação das estações com a alimentação, apresentamos uma tabela, adaptada de uma outra, da autora Sónia Hirsch[1], que nos facilita o entendimento sobre esta questão:


PRIMAVERA
REDUZIR
NORMAL
REFORÇAR
REFOÇAR
NORMAL
ÁCIDO
AMARGO
DOCE
PICANTE
SALGADO

VERÃO
REDUZIR
NORMAL
REFORÇAR
REFOÇAR
NORMAL
AMARGO
DOCE
PICANTE
SALGADO
ÁCIDO

FINAL DO VERÃO
REDUZIR
NORMAL
REFORÇAR
REFOÇAR
NORMAL
DOCE
PICANTE
SALGADO
ÁCIDO
AMARGO

OUTONO
REDUZIR
NORMAL
REFORÇAR
REFOÇAR
NORMAL
PICANTE
SALGADO
ÁCIDO
AMARGO
DOCE

INVERNO
REDUZIR
NORMAL
REFORÇAR
REFOÇAR
NORMAL
SALGADO
ÁCIDO
AMARGO
DOCE
PICANTE

A Primavera e o Verão são períodos em que eliminamos naturalmente os excessos, quer através dos suores quer mesmo das «constipações» de verão, porque a energia se move de forma ascendente e para fora. São duas épocas ideais para se promover uma desintoxicação do nosso organismo, pois estamos a potencializar a ordem natural das coisas.
Já o Outono e o Inverno são períodos em que recolhemos e armazenamos a energia, que se move para baixo e para dentro, para tonificarmos os órgãos e sistemas internos através de alimentos fortes, revigorantes e cozinhados com lume forte, para mantermos o fogo interior.


Primavera
Vegetais ligeiramente cozidos, sopas leves e rápidas, a variedade deve ser maior que a quantidade. A energia é morna e ascendente, de sabor ácido; alimentos frescos, doces e de movimento neutro, são especialmente aconselhados. Evitar os quentes e frios. Evitar o que esteve muito tempo no fogo.
Os vegetais devem ser cortados em pequenas porções e ligeiramente refogados ou salteados.
Deveremos iniciar a nossa refeição com algo que proteja a Terra: sabor doce.
Verão




A energia quente e o sabor amargo dominam a estação. Começar a refeição com uma verdura picante, como o agrião ou uma salada de vegetais temperada com umas gotas/raspas de gengibre, para proteger o Metal.
Deve-se comer pouco, mas mais vezes, evitar a gordura. Procurar alimentos frescos e neutros e não frios. Deve-se evitar bebidas muito frias.
Comer com liberdade.

OUTONO

Energia de recolhimento, é necessário recolher novamente e armazenar.
O sabor picante está no ar; devemos começar a refeição com ácido para proteger Madeira e com alimentos mais cozidos e de natureza morna
Utilizar frutos secos – damasco – e naturezas mornas. Uma maçã assada no forno é bem-vinda. Se sentir frio, sobretudo nas extremidades, juntar um pau de canela nestas maças, ficam divinais.
Comer de centeio que é fogo e tem sabor amargo.
INVERNO
Procurar os alimentos amargos, de energia ascendente para activar a circulação.
Sopas bem cozidas; refeições mais fortes; os pratos mais generosos da tradição portuguesa.
Truque: se comer muita gordura, colocar um pouco de nabo ralado, pois é um excelente desengordurante natural.


[1] HIRSCH, Sónia, Manual do herói ou a filosofia chinesa na cozinha, 2ª edição, Brasil